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V JANELA INTERNACIONAL DE CINEMA DO RECIFE – balanço final

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Confira a terceira e última parte da nossa cobertura do V Janela Internacional do Cinema do Recife e descubra os principais destaques dos dias 11, 12 e 13 de novembro. Mesmo porque os filmes estarão nos cinemas no próximo ano

 

Primeiramente, eu gostaria de pedir desculpas aos leitores pela demora em fechar a cobertura do Janela. Só pude acompanhar o festival de 9 a 13 de novembro, tempo esse em que me afastei dos afazeres em Fortaleza. Ao voltar à vida real, tive de concluir inúmeros trabalhos universitários, portanto, não pude fechar rapidamente a cobertura dos últimos dias de festival.

11 de novembro

Panorama Alemão

Terceiro longa exibido pelo panorama alemão oferecido pela german films,  A última ambulância de Sófia é um documentário búlgaro co-produzido por Alemanha e Croácia. No filme, o diretor Ilian Metev acompanha durante dois anos o cotidiano de uma das (apenas) 13 ambulâncias que operam na cidade de Sófia, capital da Bulgária.

Em A última ambulância de Sófia, é evidente o caráter de denuncia social, o contrário não poderia ser possível, como ficar inerte diante de um sistema de saúde tão repleto de falhas? Entretanto, curiosamente, o filme parece se concentrar mais em seus três personagens centrais, os médicos Krassimir e Mila, e o motorista Plamen, retratados como verdadeiros heróis e uns dos poucos socorristas remanescentes no sistema de saúde da cidade de Sófia. Em certa altura do filme, ouvimos os três personagens conversando sobre a saída de um colega de trabalho. Ele vai voltar, antecipa a doutora Mila. Não, ele arranjou um trabalho melhor, completa Plamen. O drama executa um trabalho com condições mínimas de execução e máximas de estresse confere aos nossos três heróis interessantes idiossincrasias. A afinidade que o espectador cria com cada um dessas figuras, que não sendo menos humanas, se tornam verdadeiros personagens, conduz a ambulância decadente. Tão incrível quanto a ficção.

Clássicos do Janela

O segundo filme exibido no programa Clássicos do Janela foi Veludo Azul , um dos mais celebrados filmes de David Lynch. Integrante do seleto grupo de filmes exibidos em 35mm, foi trazido direto da Inglaterra ao Recife em uma cópia lindamente instável. A gente tá tão acostumado a ver uma imagem estável, clean. É legal se deparar com essa instabilidade da película, essa imagem mais suja, disse Kleber Mendonça Filho quando conversamos após a exibição do filme.

Importante também comentar que a música In dreams, de Roy Orbison – que se ofusca da memória do coletivo pelo impacto que a canção Blue velvet tem no filme – foi tema da vinheta principal dessa edição do Janela.

 Confira o videoclipe da canção In dreams.

Clique aqui para assistir o vídeo inserido.

12 de novembro

História Oral

Parte dos programas de curtas metragens nacionais, História Oral reúne quatro curtas de realizadores brasileiros que, por caminhos diferentes, encontram na oralidade uma ferramenta essencial para contar suas histórias. O primeiro, In de Bruno Oliveira, tateia os limites entre o documental e o ficcional. Nele, ouvimos a narração onipresente de uma moça. Ela conta uma história de invasão. Enquanto dormia, despida, sua casa foi invadida por um grupo de homens. Sabe quando você tá dormindo e tem aquela sensação de que tem alguém te observando? diz ela. Ao finalmente abrir os olhos, ela comprova que de fato, havia alguém a observando, um homem (ou seria um rapaz?) que a pede para fazer silêncio enquanto tocava em seus seios e a masturbava. Se era pra acontecer alguma coisa ruim, que acontecesse a uma pessoa apenas, pensou ela antes de gritar por socorro. Quando o primeiro termina seu ‘serviço’, outro homem surge e tenta a estuprar, mas por algum motivo inconclusivo, não o faz. Quantos anos você tem? pergunta o segundo homem. Oito, mente ela. Pra quem tem oito anos, até que você já tem pelos na xoxota, hein? completa. Após uma ameaça de que seu pai acordaria em breve, a moça persuade os homens a deixarem a casa. O relato do acontecido mexe com a estrutura da família que, chocada, se certifica que todas as portas da casa estejam devidamente trancadas antes de adormecer.

O filme de Bruno Oliveira poderia muito bem ser uma ficção, tanto pela sua estética, quanto pela sua própria narrativa, entretanto, o relato da moça (colaboradora usual do cineasta) é real, o que eleva o filme a um patamar extremamente curioso. Curiosamente, as imagens de arquivo utilizadas no filme, são extraídas do google e do youtube. Sendo assim, as únicas imagens originais àquelas em que a própria atriz e narradora aparece. Sem me tocar, eu fiz um filme sobre invasão e invadi a privacidade de algumas pessoas, pondo no filme imagens de seus arquivo pessoais. Só percebi a ironia depois, disse o cineasta durante o debate pós sessão.

O segundo curta apresentado na noite foi A vida noturna das igrejas de Olinda de Mariana Lacerda. O filme de Mariana contém uma poética que lhe é muito particular, enquanto viajamos dentro das centenárias igrejas de Olinda (por sinal com uma fotografia steady cam absolutamente fabulosa), ouvimos fragmentos de textos que se distribuem através caixas de som do cinema, como se estivéssemos ouvindo às próprias igrejas contando suas histórias em várias versões, durante o curso de décadas ou séculos. A  mítica dessas igrejas que são monumentos históricos é reconstruída a favor da preservação cultural: é, de certa forma, triste termos um patrimônio cultural tão poderoso ofuscado pela metrópole. Sufocante e implacável.

Quem tem medo de Cris Negão, filme de René Guerra, foi o terceiro curta da noite. Com a participação da cubana Phedra (também presenta em outro curta exibido no Janela O Vestido de Laerte), é uma espécie de documentário. Sem a preocupação de delimitar começo meio e fim na vida de seu objeto de estudo, a figura emblemática do submundo de São Paulo Cris Negão, Guerra conduz o filme através de depoimentos de algumas travestis que  conheceram ou trabalharam com Cris. Assassinada por deus sabe quem e em situação cujos detalhes são desconhecidos pelas personagens entrevistadas, Cris Negão vai aos poucos se afastando de ser figura humana (pelo menos na minha percepção) e  se convertendo em um símbolo, um mito, um mártir. Amada e odiada, concomitantemente.

A onda traz, o vento leva de Gabriel Mascaro, que já havia sido exibido no 45º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, foi o último curta do programa História Oral e é mais um bom exemplo de filme fronteira, entre o ficcional e o documental. Convincente como ficção ou como documentário, o curta de Mascaro acompanha um personagem surdo/mudo aidético que trabalha montando sons de carros e cuida sozinho da filha. A coerência do programa como um coletivo é enorme, pois aqui temos um final em que a marca da oralidade é uma barreira, um obstáculo transposto por uma linguagem que não é oral, mas igualmente eficaz. Assim como em Brasília, Mascaro emplacou dois filmes no Janela, seu excelente Doméstica (o qual comentei na cobertura de Brasília) e este A onda traz, o vento leva. Cada qual eficiente à sua maneira.

Longa brasileiro

O que se move de Caetano Gotardo foi, sem dúvidas, uma das mais gratas surpresas que tive durante minha estadia em Recife. Estruturado em três segmentos inspirados em manchetes de jornais, o filme traz ao centro de cada história contada uma mãe e a dor da perda de seu filho. Não convém mastigar didaticamente o conteúdo de cada uma das histórias contadas pelo cineasta. Convém, no entanto, ressaltar que em nenhuma delas foi realizado qualquer pesquisa de aprofundamento. Gotardo escreveu o roteiro e criou os personagens a partir de simples manchetes. Ao ver cada uma, eu as achava interessante e pensava que dava pra tirar algo de interessante delas, mas foi só ao ver a última (que dá corpo ao terceiro ato) que as percebi como coletivo, elas faziam sentido juntas. Igualmente geniais ao roteiro são as atuações do elenco, que personifica indivíduos ordinários em situações extraordinárias e conduz a narrativa com performances extremamente instigantes. Ao fim de cada segmento, há inesperados ‘números musicais’, se é que posso chamá-los assim. Talvez melhor do que isso, eu possa chamá-los de musicalização da vida. Estonteantes, essas canções que tinham tudo para afastar o espectador da experiência vivida com tanto realismo, acabam sendo ainda mais realistas e convincentes do que a própria dramaturgia ditadora do ritmo. Naturalidade e percepção do próprio trabalho, eis as chaves do sucesso de Gotardo. São poucos os diretores que conseguem conduzir suas histórias em ritmos impecáveis com quebras tão surpreendentes e funcionais. Caetano Gotardo certamente é um nome promissor na cinematografia brasileira. Sem mais.

13 de novembro

Despedida de Recife

Meu último dia de cobertura do Janela começou pela tarde, quando entrevistei o organizador do festival Kleber Mendonça Filho e seu parceiro Luiz Joaquim – entrevista esta que será publicada em breve -, no tradicional café Castigliani do cinema da Fundação.

Expressão Corporal

O programa de curtas nacionais Expressão Corporal foi o último contato que tive com o Cinema São Luis. Não foi programado, inicialmente, eu pretendia entrevistar Kleber e voltar correndo ao apartamento pra arrumar as malas. Nas coxas, quando já estava de saída ao São Luis, o cineasta me perguntou? Você vai também, instintivamente respondi, claro. Fomos juntos, finalmente. Valeu a pena, pois além de ter assistido a curtas maravilhosos, pude me despedir adequadamente daquele ambiente que já havia se tornado tão familiar ao longo dos cinco dias em que o frequentei.

Dizem que os cães veem coisas, de Guto Parente, reconhecido pelo seu trabalho no coletivo Alumbramento daqui de Fortaleza abriu o programa de curtas. Inspirado no conto de Moreira Campos, Guto constrói um ambiente de escárnio à pequena burguesia. Em meio a uma festa extremamente brega e caricatural, o cineasta faz o caminho contrário da crítica social: primeiro aproxima o espectador dos personagens, depois debocha dele. Liberdade. A burguesia fede, mas tem dinheiro pra comprar perfume, eis o seu discreto charme.

A mão que afaga, de Gabriela Amaral Almeida, o segundo curta da noite também já havia sido exibido – e premiado – no Festival de Brasília. Uma observação sobre a solidão da vida urbana contemporânea. Um deboche. Gabriela conta a história de uma personagem comumente identificável em pessoas reais com a segurança de trafegar livremente entre o humor negro e o drama. Uma festa de aniversário frustrada, um filho apático, uma mãe solteira atendente de telemarketing com -paradoxais – problemas de comunicação, a claustrofobia do enclausuramento urbano, o desconforto, o tédio. A mão que afaga é interessantíssimo do ponto de vista temático e estético. A escolha de cores pasteis, ambientes mortos, encenações apáticas e iluminação escassa é representativo na construção do clima sugerido pelo roteiro e suas nuances. 19 minutos, e ainda sim um filmaço.

O próximo filme exibido no programa foi exibido dias antes aqui em Fortaleza na Mostra Outros Cinemas organizado por Barbara Cariry. Um diálogo de ballet da dupla de realizadores gaúchos Felipe Matzembacher e Márcio Reolon surgiu de uma proposta temática, fazer um filme que de alguma forma explorasse o universo homossexual. Bom, eu acredito que o homossexualismo não se trata de uma ‘temática’, e aparentemente nem os cineastas, pois inteligentemente especificaram seu objeto de estudo e encontraram a resposta no seguinte tema: o diálogo entre gerações jovens e velhas de homossexuais. Um jovem bailarino acorda e, enquanto se alonga, discursa sobre a possibilidade de envolvimento com um parceiro mais velho. Concomitantemente, um homem de seus quarenta e muitos (talvez cinquenta) anos realiza o mesmo ritual e discursa sobre a mesma possibilidade, porém invertida. De um ao outro, em belos movimentos cênicos, ouvimos discursos extremamente conflitantes, representantes de gerações diferentes cujos ideias também não podiam ser os mesmos. A rima narrativa, entretanto, está no ballet. Portanto, os dois personagens são separados apenas por algumas décadas. E pela rua, que casa à rima narrativa e vira rima visual: Eu sou você daqui a alguns anos, o que nos separa é a travessia de uma rua.

Os dois últimos curtas foram selecionados para a Quinzena dos Realizadores em Cannes, Os mortos vivos de Anita Rocha da Silveira e Porcos Raivosos, de Isabel Peroni e Leonardo Sette. O filme de Anita surge de uma típica conversa de bar, junto a um grupo em uma roda, a cineasta escuta o relato de uma moça  até então desconhecida: Eu fiquei com um cara, depois ele sumiu. Tentei ligar pra ele várias vezes mas ele não atende, tô com medo de ter acontecido alguma coisa com ele, ele estar morto, sei lá, disse. Cara, não encana, tu só levou um fora, acontece com todo mundo, consolou Anita. Pois bem. Seu filme parece trabalhar em cima dessa premissa, personagens desencontrados depois de desiludidos, vivendo à sombra das redes sociais. Depois de levar um fora, a vida pública daquela pessoa na net acaba se tornando meio mórbida, é estranho acompanhar alguém com quem se perdeu o contato, uma vida paralela. Uma vida que continua. Um morto vivo.

Já Porcos raivosos trabalha em cima da mítica indígena. Presente no debate pós sessão, um dos realizadores do filme Leonardo Sette criticou a cristalização do índio conferida pela mídia, a necessidade de enquadra-lo em padrões, esquemas, enfim, reduzindo uma cultura que é tão complexa, mítica, e da qual não temos nem podemos ter total compreensão. Porcos raivosos vai contra a corrente, o filme opta por encenações, danças e cantos não traduzidos, não mastigados, apenas projetados. É o que é. A mítica da cultura indígena  foi pouquíssimas vezes retratada com tanta honestidade e crueza. Acho justo que assim o seja.

O V Janela Internacional de Cinema do Recife se encerrou no último domingo, 18 de novembro com a última exibição do programa em parceria com a Quinzena dos Realizadores de Cannes, do clássico Lawrence da Arábia e com a premiação dos curtas.

Confira a lista dos premiados:

PRÊMIO DA FEPEC – Federação Pernambucana de Cineclubes
Formado por: Carlos Silva, Ludimilla Wanderley e Pietro Félix

Competição nacional: A onda traz, o vento leva, de Gabriel Mascaro (Pernambuco)
Competição internacional: Dag (Adeus), de Tamar Van den Dop (Holanda)

PRÊMIO DA ABD/PE – Associação Brasileira de Documentaristas

Formado por: Iomana Rocha, Germano Rabello e Felipe André

Internacional: The Mass of Men, de Gabriel Gauchet  (Reino Unido)
Nacional: Animador, de Cainan Baladez e Fernanda Chicolet (São Paulo)

 PRÊMIO DA OFICINA JANELA CRÍTICA
Formado por: Bruno Alves Ferreira, Elilson Gomes do Nascimento, Luciano Viegas da Silveira, Mário Rolim, Maria Olivia Silva de Souza, Rodrigo Silva Pereira e Mariana Vieira Gregorio

Melhor curta brasileiro: Quem tem medo de Cris Negão? de René Guerra (São Paulo)

Melhor curta estrangeiro: The Mass of Men de Gabriel Gauchet (Reino Unido)

JURI INTERNACIONAL
Formado por:  Moacir dos Anjos (pesquisador e coordenador de artes visuais da Fundação Joaquim Nabuco); o cineasta Marcelo Caetano, vencedor de Melhor Curta Brasileiro no Janela do ano passado;  e a cineasta Renata Pinheiro

Melhor Som: Rafa, de João Salaviza (Portugal)

Melhor Montagem: O Que Arde Cura, de João Rui Guerra da Mata (Portugal)

Melhor Imagem: Manhã de Santo Antônio, de João Pedro Rodrigues (Portugal)

Premio especial do júri: Les Cheveux Courts, Ronde (Cabelo Curto, Gordinha e Baixinha), Petite Taille, de Robin Harsch (Suíça)

Melhor filme: Rodri, de Franco Lolli (França)

JURI NACIONAL
Formado por: André Dib, jornalista, pesquisador e crítico de cinema; o cineasta Sérgio Borges; e o cineasta Marcelo Lordello

MELHOR SOM – A Onda Traz, O Vento Leva, de Gabriel Mascaro (Pernambuco)

MONTAGEM – Sobre o Abismo, de André Brasil (Minas Gerais)

MELHOR IMAGEM – Porcos Raivosos, de Isabel Penoni e Leonardo Sette (Pernambuco)

MELHOR FILME – Sobre o Abismo, de André Brasil (Minas Gerais)

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